No Brasil, setor dá primeiros passos com procedimentos ambulatoriais, como cirurgias plásticas ou de catarata
Nos últimos cinco anos, começou a ganhar corpo no Brasil o mercado alternativo de saúde, também conhecido como mercado out of pocket. Em livre tradução, ele pode ser compreendido como modalidade em que o pagamento de serviços de saúde é efetuado pelo próprio paciente.
De uma maneira geral, 60% do mercado out of pocket está relacionado à compra de medicamentos, curativos e outros insumos; 30% é destinado a pagamentos de consultas e exames, e 10% direcionado a procedimentos cirúrgicos. Esse movimento tem se popularizado, inclusive quando se trata de cirurgias ambulatoriais, como o procedimento em que há a remoção do cristalino opaco do olho, conhecido com cirurgia de catarata.
Embora seja ofertada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a cirurgia de catarata e diversos outros procedimentos ambulatoriais possuem uma fila de espera. Como apenas 25% da população brasileira têm plano de saúde, o setor vem pesquisando alternativas para atender uma fatia importante de clientes que não contam com a cobertura de serviços de uma operadora de saúde.
O remédio para essa equação está em um termo ainda pouco conhecido por esse setor. Trata-se do Endofinance, que é um estágio mais avançado dos serviços financeiros embarcados em uma determinada operação, conhecidos como Embedded Finance.
“Na prática, o Endofinance tem o potencial de tornar uma empresa o seu próprio banco. Independentemente do setor em que ela atua, a empresa se torna um banco com todos os serviços financeiros e bancários incorporados, atendendo às necessidades de todos os stakeholders (internos e externos)”, afirma Dra. Paula Mateus, diretora de Mercado da Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial.
Apaixonada por cirurgia geral, Dra. Paula Mateus (CRM-SP 186.230, RQE 64593) recebeu um diagnóstico que mudou completamente sua carreira. Ao se deparar com um problema de visão, irreversível, a cirurgiã teve que abrir mão do bisturi, mas não abandonou a missão de democratizar o acesso à saúde.
A precisão cirúrgica foi direcionada para a gestão, área em que Mateus continuou perseguindo a excelência em inovação. Atualmente, a médica é uma das poucas especialistas em inovação financeira no setor de saúde no Brasil. Nessa jornada, ela se tornou empreendedora, investidora e uma referência na dobradinha “healthfintechs e Endofinance”.
“Se eu não posso mais operar, meu propósito é tirar os pacientes da fila de espera por uma cirurgia realizada pelo SUS, buscando alternativas para eles realizarem procedimentos com custos mais adequados à realidade econômica deles”, diz.
Nesta entrevista à cel_news, Dra. Paula Mateus mostra como o setor de saúde está descobrindo o potencial do Endofinance para ampliar a oferta de procedimentos médicos por meio de meios de pagamentos mais acessíveis a grande parte da população brasileira.
cel_news: Como o Endofinance é percebido pelo setor de saúde?
Dra. Paula Mateus: Hoje o setor de saúde ainda está descobrindo o Endofinance, não apenas no Brasil, mas globalmente. Esse segmento é composto pelas operadoras de saúde, pelos prestadores de serviço, que são hospitais, clínicas e laboratórios, e pelos profissionais de saúde, indústria, distribuidores e associações.
Costumo fazer uma analogia com as etapas da residência médica. Estamos na fase do R1 (Residência 1), ou seja, aprendendo o básico sobre o processo de “fintechzar” companhias e suas operações que não têm o financeiro no core business, como é o caso do setor de saúde.
Embora o setor, de um modo geral, ainda esteja entendendo o que é o movimento do Endofinance, algumas verticais estão um pouquinho mais adiantadas. Diria que elas já estão no R2 (Residência 2).
cel_news: Como funciona, na prática, esse estágio mais avançado em Endofinance em algumas verticais do setor de saúde?
Dra. Paula Mateus: Há mais ou menos 10 anos, identifico um movimento que chamamos de sistema alternativo de saúde, conhecido também como mercado out of pocket. Tenho percebido também que ele se tornou mais forte nos últimos 5 anos. Estamos falando do mercado em que o paciente arca com os custos do seu atendimento de saúde.
Vale lembrar que, no Brasil, apenas 25% da população tem plano de saúde. O restante utiliza somente os serviços do SUS. Mas alguns pacientes preferem evitar a espera da fila do SUS e realizar uma cirurgia na rede privada, pagando por esse serviço. Há ainda quem queira fazer cirurgia plástica estética, que não é coberta pelo plano de saúde, ou pagar por consultas e exames de forma particular.
Diante desse cenário, o setor de saúde privado identificou a necessidade de trabalhar com meios de pagamento, uma vez que ficaria praticamente inviável, além de retrógrado, trabalhar com cheques pré-datados. A área de cirurgia ambulatorial, que compreende, por exemplo, os procedimentos realizados em hospitais dia (Unidades de Cirurgia Ambulatorial – UCAs), como cirurgias plásticas, herniorrafias abdominais, colecistectomias e cirurgias de catarata, descobriu ser possível trabalhar com outras formas de pagamento, como múltiplos cartões e o crédito direto ao consumidor (famoso carnê) para financiar o procedimento.
A partir da adesão em massa do Pix, o setor de cirurgia ambulatorial também começou a usar as modalidades do pagamento instantâneo, como o parcelado e agendado. Então os meios de pagamento que conhecemos amplamente no varejo, como parcelamento nos cartões e os financiamentos, passaram a ser utilizados no universo da cirurgia ambulatorial.
Essa mudança aumenta a viabilidade econômica para a realização dessas cirurgias. Um grupo de pacientes passa a ter condições financeiras de arcar com os custos desses procedimentos. Por isso, a cirurgia ambulatorial já está na fase de R2. Esse universo é composto basicamente por clínicas populares, pelos cartões de descontos, marketplaces e pelas unidades de cirurgia ambulatorial (UCAs), popularmente conhecidas como hospital-dia, em que o paciente permanece em média 12 horas.
O resultado desse movimento alternativo é a busca pelo Endofinance. A lógica financeira dos prestadores de serviço de saúde é trazer viabilidade econômica para seus pacientes e minimizar o risco de inadimplência. Não há condições de trabalhar somente com cheque ou parcelamento no cartão de, no máximo, três vezes, como já acontecia.
cel_news: Qual a sua experiência com Endofinance?
Dra. Paula Mateus: Em 2018, comecei a empreender com projetos para a comercialização de cirurgias ambulatoriais on-line com todos os meios de pagamento. Depois trabalhei no Grupo Fleury, com o mesmo racional, utilizando meios de pagamento embarcados em uma estrutura de marketplace. Tive ainda uma experiência com o Grupo Cartão de Todos, onde organizei a vertical de cirurgias ambulatoriais. Nessa trajetória, passei de empreendedora a investidora.
Em todos esses processos, percebi que o setor precisava compreender bem o que é o Endofinance por completo. Também é importante estruturar projetos específicos para cada empresa, porque as necessidades e os perfis de clientes são diferentes.
cel_news: Por que o setor de saúde precisa aderir ao Endofinance?
Dra. Paula Mateus: Aderir ao Endofinance é uma questão de sustentabilidade do negócio quando se fala no setor de saúde. Com o movimento do Endofinance, vêm diversos ganhos. Há uma receita acessória para a companhia (advindo do aumento das vendas out of pocket) e um engajamento dos colaboradores e fornecedores, se a empresa optar pelo BaaS (Banking as a Service) e CaaS (Credit as a Service), uma vez que se estabelece uma relação financeira com os stakeholders.
O colaborador pode receber o salário na conta do banco da empresa, utilizar o cartão de crédito emitido por esse banco, assim como ter acesso a linhas de crédito diferenciadas. O funcionário passa a ter mais viabilidade econômica.
Sob o ponto de vista do cliente, há múltiplas opções de pagamento. E do ponto de vista dos fornecedores, é possível esticar o fluxo de caixa da companhia, pagando à vista. Sim, é possível.
O mercado de cirurgia ambulatorial já trabalha com múltiplos cartões, Pix parcelado, Pix agendado, link para pagamento com cartões, além das maquininhas e financiamento em até 24 vezes. A lógica é trazer a experiência de pagamento do varejo para o setor de saúde. Estamos evoluindo muito ao trazer os múltiplos meios de pagamento, ao criar um banco digital, trabalhando com uma estrutura de Banking as a Service (BaaS) em que é possível fazer o pagamento dos próprios colaboradores e dos fornecedores. Além disso, ainda há um ganho no controle da tesouraria.
cel_news: O Endofinance pode aumentar a fidelização do cliente no setor de saúde?
Dra. Paula Mateus: A tendência é haver um aumento de conveniência. Se a empresa da área de saúde oferece um meio de pagamento que cabe no bolso do paciente, as instituições de saúde com mais qualidade vão fidelizar o cliente.
Se há viabilidade econômica, o balizador para a escolha do paciente é a qualidade do atendimento. Quando a saúde está envolvida, há uma mobilização da família. Uma pessoa que adoece se torna um problema “da família”, ocorre uma união, todo mundo ajuda um pouquinho. É uma relação diferente do quando se decide comprar um bem de consumo, como uma geladeira.
cel_news: Quais os desafios que o Endofinance traz para o setor de saúde?
Dra. Paula Mateus: Sem dúvida, todo o arcabouço regulatório relacionado aos serviços financeiros é um desafio. Entender e atender a regras do Banco Central do Brasil é extremamente desafiador, por isso é necessário buscar um parceiro nessa jornada que consiga resolver essa questão.
Esse foi um dos motivos que me levou a querer conhecer mais sobre o trabalho desenvolvido pela Celcoin, que tem muita experiência nessa questão regulatória. Diferentemente do que tenho visto no mercado, a equipe da Celcoin assume toda a parte regulatória ao estruturar o projeto de Endofinance. Isso é um ganho enorme.
Outro desafio é traduzir os termos financeiros para um ambiente que só lida com questões de saúde. Novamente, a equipe da Celcoin tem se mostrado um parceiro completo para o setor de saúde, porque busca entender a necessidade de cada empresa e oferecer a solução mais adequada, sem uma fórmula pronta.